Textos Sobre Música
Vou começar a publicar pequenos textos onde faço reflexões sobre o estudo de música, a profissão e construção da carreira, o perfil do instrumentista e a forma com que o indivíduo se relaciona com o meio musical.
Texto 2: A busca pelas referências
Veja se você consegue entender a imagem abaixo…
Acho incrível termos evoluído em tantos aspectos e caminhado praticamente no sentido oposto na qualidade dos dispositivos de reprodução musical. Na televisão, no cinema, a imagem ganhou cor, foi ficando cada vez mais definida, quase real. É frequente o uso dos termos HD (High Definition), que quer dizer alta definição, e todos os outros sistemas que surgiram ao redor, 3D, cores mais vivas, conversão digital com alta resolução. As imagens estão ficando tão perfeitas que logo será impossível separar a realidade do virtual.
E as impressões gráficas! Hoje temos jornal colorido com fotografias tão definidas que parecem reveladas, não se nota mais os pontos. As revistas são impressas em papel de qualidade e os livros são verdadeiras obras de arte, com capa dura, folha laminada.
Agora com música domina a política da quantidade, de poder carregar todos os albuns, de todas as bandas, de todos os estilos, dentro do bolso. É estocar muito mais do que conseguirá consumir pelo simples prazer de possuir, o status de ter. E se aprecia de forma descartável, como se música fosse um objeto desleixado, ignorado, mal interpretado.
Todos são os críticos da razão, avaliam o argumento musical na maior pressa, não querem dar espaço, e mais uma música é desprezada sem ao menos terminar a frase da saudação.
Chamo isso de escutar música, você escuta e pronto. Apreciar é outro universo, é ser banhado pelo poder da emoção musical, é ser deixado levar pela sua trama e conseguir usar o estímulo como forma de conectar os sentidos, a percepção. É conseguir seguir o caminho da autodescoberta com trilha sonora, e ficar perplexo como tamanha complexidade é tão facilmente interpretada.
Mas tudo isso precisa de espaço, assim como usamos intermináveis palavras para descrever o que sentimos, precisamos de um número binário estratosférico para descrever uma música. Não cabe no bolso. Tudo bem, cortamos as frequências, comprimimos o som, despimos a música de tudo deixando apenas a essência da sua existência, uma migalha que nos permita identificar a carcaça.
Mas como ser absolvido desse crime? Mudando a referência, fazendo as caixas de som cada vez menores, mais restritas, mixando sem dinâmica, rotulando como tecnologia, despertando o desejo do consumo impulsivo. Não é o que o objeto oferece, mas o objeto em si. E os colecionadores das posses ocas, sem vida, que tristeza.
O antídoto? Referência, basta escutar música como antigamente.
Comentário: Esse texto vai muito além da discussão se o vinil é melhor ou pior do que o cd. Não é essa a questão, mas um conjunto de coisas que nos fizeram mudar a relação com música, e pra pior. Vou por partes:
1 – A matriz do som.
A idéia de que com o vinil não existe perda é equivocada. Existe sim corte de frequências, compressão, chiado, entre outras coisas. Taí a importância de ter um vinil com sulcos fundos, sem arranhões e limpo, cabos de qualidade e falantes que reproduzam as nuances. Outra coisa, se a gravação e mixagem já passaram pelo sistema digital, tudo que foi perdido não será recriado pelo vinil.
No caso do cd existe a limitação da conversão digital, que pode inibir mais ou menos a qualidade do audio. As matrizes produzidas de forma integral soam de forma cristalina e com uma excelente definição, assim como o vinil.
2 – A reprodução do som.
Aqui é onde pega. Não adianta seguir uma linha digital ou analógica de qualidade se o que carrega e projeta o sinal não suporta a riqueza do som. Cabos de baixa qualidade e falantes restritos reproduzem o audio com sérias limitações, muita coisa é perdida. É como ter um aparelho de DVD de alta definição projetando a imagem numa televisão em preto e branco.
Hoje se escuta música em caixinhas de computador e celular, que de tão pequenas nem conseguimos saber onde estão. Fones de ouvido extremamente agudos e sem faixa de dinâmica que tocam apenas uma pequena porcentagem do que o audio realmente é.
3 – O padrão do audio.
Pela necessidade do audio funcionar em qualquer dispositivo, por pior que seja, e ter bastante volume e abertura, acabou-se com a dinâmica. As músicas soam sempre com o mesmo volume, mesmo nas partes menos densas e paradas a compressão redimensiona. As frequências são restritas com cortes nos graves, que está deixando de existir de forma natural.
4 – O Mp3.
É um sistema de compressão, isso quer dizer que tem perda. A maioria dos arquivos são gerados para ocupar pouco espaço, o que quer dizer que muita coisa é cortada. Mas claro, quando reproduzido em dispositivos que cortam de qualquer maneira a diferença parece imperceptível.
5 – A relação com a música.
Perdeu o contexto, não se sabe mais como a música foi criada, se faz parte de uma trabalho maior, ou de um album conceitual. Como a oferta é muito grande parece não existir tempo para conhecer e apreciar. De ir se familiarizando para entender como cada idéia desenvolve e se conecta. Por isso a opção por músicas fáceis, pois poucos tem a disposição para aprender a escutar algo.
6 – A referência.
Esse é o lado mais triste, pois essa música comprimida, sem as extremidades das frequências, sem grave e extremamente aguda, sem qualquer dinâmica, está virando referência. As pessoas acham que isso é qualidade, que é o certo. Daí vão para um show e acham estranho, escutam numa caixa de qualidade e acham que o som está grave e abafado. Não entendem que o real não existe mais na reprodução moderna de audio de massa.
Quer saber o que é música de verdade? Proponho um exercício…
- Escolha uma banda que curta e selecione um album, pode ser em cd ou vinil. Melhor se for uma mixagem anterior ao ano de 1990.
- Coloque para reproduzir num aparelho bom, com cabos e falantes que reproduzam toda a faixa de frequência (20hz-20Khz).
- Separe um momento só pra você, sem interrupções, que você possa escutar o trabalho na íntegra.
- Escute de olhos fechados.
Se você teve uma experiência incrível entenda que isso é audio de qualidade, é apreciar música. Se achou abafado, sem graça, com muitas oscilações de volume, sujo, então a sua referência já foi distorcida.
Teste seu dispositivo de audio com as músicas abaixo. Caso você não consiga escutar o som ou ele estiver baixo demais então o seu sistema está restringindo a reprodução:
1 – Blue Tone do meu album DEEP – somente as frequências agudas.
2 – Blue Tone do meu album DEEP – somente as frequências graves.
Texto 1: A Guitarra e o Carro
Penso no estudo de guitarra como se fosse dirigir um carro. Do que adianta ter um veículo de última geração, com todos os dispositivos eletrônicos e acessórios e não colocar combustível no motor? A gasolina é o estudo do instrumento e para obtê-la é preciso investir dinheiro – dificilmente você encontrará combustível de graça. Um dos melhores investimentos que você poderá fazer não é o material e sim o intelectual, é investir em você mesmo. Os objetos deterioram com o tempo, o seu carro, a sua guitarra, mas a sua capacidade de pensar evolui, amadurece, as ligações no seu cérebro ficam mais fortes e complexas.
Então é vital nutrir o pensamento, colocar um combustível puro e de origem confiável. Aprender é conseguir selecionar o que pode te alimentar de forma saudável, por isso procure um posto que seja sinônimo de qualidade e um professor aditivado. Custa dinheiro? Claro, você não iria encher o tanque do seu carro com qualquer porcaria!
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